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terça-feira, 22 de abril de 2014

Governo divulga apenas um terço das pesquisas com animais no país

arte animais (Foto: Arte/G1)Concea diz que sigilo sobre testes cabe à comissão de ética das entidades. Cientistas dizem haver atraso e que órgão coleta informações desde 2008
 
Levantamento do G1 e dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que dados sobre pesquisas com animais realizadas hoje no país ainda são escassos, desconhecidos pelo governo ou mantidos sob sigilo. Só um terço das instituições autorizadas têm suas pesquisas divulgadas oficialmente, e apenas 4% buscam alternativas a esses métodos.
 
O governo federal publica a lista de instituições e tipos de testes no site do Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), órgão responsável pelo controle das pesquisas com animais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Dos 230 institutos ou universidades autorizados, 196 estão cadastrados, e apenas 77 têm suas informações disponibilizadas (33,4%).
 
O G1 pesquisou cada instituição da lista de credenciadas no site. Muitas das informações fornecidas estão truncadas ou incompletas e os registros nem sempre são atuais.
 
Por meio da Lei de Acesso à Informação, o G1 pediu ao ministério o “detalhamento do tipo de pesquisa aprovada e para quais fins se destina”. O Concea afirma que não possui os dados e que cabe às Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUA) de cada universidade ou laboratório divulgá-los no site. A CEUA é uma comissão obrigatória criada pelas próprias instituições para avaliar e autorizar os testes.
 
Sigilo
O conselho diz também que as comissões, com base na Lei Arouca, não estão obrigadas a informar ao público que tipo de pesquisa estão fazendo com os animais. "Compete à CEUA decidir sobre a não disponibilização da informação", respondeu José Mauro Granjeiro, coordenador do Concea.
 
"A Resolução Normativa do Concea nº 12, de 2013, em seu item 5.2.3.6, colocou as informações produzidas no âmbito da CEUA sob o resguardo de sigilo e confidencialidade. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possa prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico (...)", completa.
 
Sem controle
A reportagem do G1 procurou alguns dos institutos que, segundo o ministério, não publicaram suas informações.
 
No caso do Instituto Royal, invadido por um grupo para resgatar dezenas de beagles usados em pesquisas em São Paulo, o governo foi quem declarou o sigilo das pesquisas. O instituto encerrou suas atividades, mas chegou a ter projeto de R$ 5,25 milhões aprovado em parceria com dois ministérios, divulgado apenas como “criação, manejo e fornecimento de animais para desenvolvimento pré-clínico de fármacos” e classificado pela Finep (Agência Brasileira da Inovação).
 
Ana Lúcia Marigo é secretária da CEUA da Embrapa Meio Ambiente, um dos institutos para os quais não constam informações no site. Segundo ela, as instituições são informadas de que devem se cadastrar no Ciuca (Cadastro das Instituições de Uso Científico de Animais), lançado em 2008 quando foi instituído o Concea. “Mas está tudo tão cru ainda", diz.
 
O governo divide as instituições entre "deferidas" (76 ao todo) e "em andamento" (154), mas todas estão autorizadas a realizar as pesquisas, ainda que o Concea não tenha analisado a documentação.
"São pouquíssimas as que já têm o credenciamento deferido. A gente tinha um prazo até o ano passado para submeter e, em janeiro, recebemos uma correspondência dizendo que os dados estão sendo avaliados”, afirma a pesquisadora.
 
Segundo Marigo, hoje o Brasil não possui nenhum controle prévio sobre as pesquisas com animais e não é possível saber, por exemplo, se o mesmo procedimento está sendo feito em estados diferentes com o mesmo objetivo, sacrificando mais de um animal.
 
“[O Concea] começou esse levantamento em 2008. Até tudo começar a caminhar do jeito que deve ser vai demorar muito tempo. Muita gente está perdida e tem muita coisa errada para ser arrumada.
 
Imagine um pesquisador que trabalha com animais há 30 anos, nunca precisou preencher um protocolo, sempre matou quantos ratos quis. É claro que a gente segue as orientações [do Concea], mas a fiscalização deles é perante os relatórios das pesquisas”, afirma.
 
Octavio Presgrave, coordenador do CEUA da Fiocruz no Rio de Janeiro, também diz que o instituto vem colaborando com o Concea, apesar de as pesquisas do Centro de Pesquisas René Rachou, parte da Fiocruz Minas, não estarem listadas no site. "A gente vem alimentando, mas não sei responder se isso eles vão tornar isso público", afirma.
 
Para o cientista, ainda que mantenha parte das pesquisas em sigilo, em razão de quebra de patentes, por exemplo, o governo poderia divulgar relatórios quantitativos para auxiliar a comunidade científica. “A União Europeia publica relatórios sobre quantos animais são utilizados nas pesquisas, áreas de pesquisa. Hoje só é possível saber o que o outro está fazendo através de artigos que são publicados. Acho que a ideia do Concea é juntar esses dados para poder divulgar”, afirma.
 
Reprodução do site do Ministério da Ciência e Tecnologia mostra um dos cadastros de pesquisas realizadas com animais no sistema. Em seu site próprio, o Centro de Pesquisas René Rachou da FioCruz Minas especifica que pesquisas realiza (Foto: Reprodução)
Reprodução do site do Ministério da Ciência e Tecnologia mostra um dos cadastros no sistema do governo, no qual deveriam constar todas as informações sobre pesquisas com animais. Em seu site próprio, o Centro de Pesquisas René Rachou da FioCruz Minas especifica que pesquisas realiza e também afirma que enviou informações sobre elas ao governo
 
Alternativas
Um relatório do governo obtido pelo G1 por meio da Lei de Acesso à Informação mostra ainda que, apesar de 230 instituições possuírem autorização para utilizar animais, apenas dez entidades buscam alternativas a esses métodos. São os dados mais recentes de que o governo dispõe no Concea em questionário realizado entre outubro e novembro de 2012.
 
“É chocante”, afirma Presgrave. “Quando você me dá um dado desse, óbvio, precisava ter mais, mas, no momento em que o governo financiar mais essas pesquisas, eu garanto que esse número aumenta”, avalia.
 
Segundo o conselho, realizam pesquisas alternativas o Instituto Butantan (SP), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (USP/RP), Instituto Adolfo Lutz, Fiocruz (BA), Instituto Sírio Libanês, Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo do Campus de Ribeirão Preto (FCF-USP-RP), Fort Dog Saúde Animal, Laboratório Nacional de Biociência (LNBio) e Centro de Pesquisa Ageu Magalhães --as quatro primeiras também realizam pesquisas com animais.
 
Reportagem do G1 mostra que o Brasil não possui hoje um órgão para validar métodos alternativos ao uso de animais em pesquisas científicas, apesar de ser proibido por lei o uso de animais quando há outros meios de se chegar ao mesmo resultado. Em março, o plenário do Concea decidiu que ocorrerá a substituição progressiva por métodos alternativos que começarão a ser validados no Brasil.
 
“O governo não incentiva esse tipo de pesquisa. A primeira vez que teve um edital específico foi em 2012, no valor de R$ 1,5 milhão, ao passo que um único programa na União Europeia chega a ter 50 milhões de euros de financiamento", avalia o cientista da Fiocruz. "O que precisa é de vontade política para que isso seja executado, e mais ainda, uma boa coordenação."
 
O Concea reforçou que o “monitoramento constante e periódico do emprego de técnicas alternativas no Brasil é fundamental para a avaliação de estratégias que visem intensificar o uso das mesmas, contribuindo para a maior aderência e disseminação de métodos alternativos, particularmente na comunidade acadêmica” e que "está sendo planejada uma consulta mais ampla a ser implementada em 2014”.
 
Financiamento
Informações sobre valores repassados a essas pesquisas também são difíceis de se obter. O ministério informou que não repassa recursos diretamente aos projetos, mas que as instituições podem pedir auxílio financeiro às agências de financiamento oficiais da área de C&T&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) como a Finep e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). “Este ministério não possui informações sobre elas”, informou.
 
O G1 procurou os órgãos responsáveis. À Finep, requereu o total financiado nos últimos cinco anos, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ou Fundo Nacional de Saúde, em projetos de pesquisas relacionados a biotérios ou animais de laboratório. A empresa pública vinculada ao ministério é quem controla essa verba.
 
De acordo com os dados, desde 2008 foram financiados 86 projetos com animais, que receberam R$ 270,4 milhões do fundo, e um foi identificado como “projeto da indústria de cosméticos que utiliza ensaios in vitro em substituição ao uso de animais de laboratório”.
 
Trata-se de um contrato de 2007 sob a rubrica “inovação tecnológica em formulações dermo-cosméticas: substâncias bioativas de origem natural micro e nanoestruturadas”, desenvolvido pela Leviale Indústria Cosmética Ltda., no valor de R$ 959.808. O contrato corresponde a 0,3% do total financiado nos últimos cinco anos nessa área.
 
A Finep não especificou quantos institutos que receberam verba de fomento à pesquisa realizam testes cosméticos ou relacionados à saúde. “Esclarecemos que as Instituições de Ciência e Tecnologia que desenvolvem projetos envolvendo animais de laboratório devem observar a legislação específica em vigor, Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008 [Lei Arouca], cabendo às próprias instituições a constituição das Comissões de Ética no Uso de Animais.”
 
O CNPq financiou a R$ 437 milhões em bolsas no ano de 2013 a instituições que utilizam animais em suas pesquisas, a grande maioria universidades. O valor inclui qualquer tipo de pesquisa nessas entidades, com ou sem uso de animais, já que o conselho informou não catalogar essa informação específica em seu sistema de fomento. A Finep informou que foram financiadas bolsas no valor de R$ 1,9 milhão desde 2008 envolvendo pesquisas com animais e biotérios.
 
Nenhum dos órgãos possuía dados sobre verbas de incentivo a projetos de busca por alternativas aos testes com animais.
 
G1

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